sábado, 8 de março de 2008

Como descobri o Palmeiras


O dia que tive a certeza de ser Palestra!

Esses dias um amigo do trabalho me contou de um livro bacana que ele tinha. Era escrito pelo Roberto Torero, grande jornalista e um mestre das palavras esportivas. Não que o leia sempre, mas vez outra dou uma passada pela sua coluna na Folha de S. Paulo. O livro era formado por uma história-fantasia de como seres celestes criaram um time chamado Santos Futebol Clube. Muito interessante a criatividade deste escritor por sinal. E também tinha várias crônicas, e em uma delas o cara contava como virou santista. Sensacional, se puder um dia leiam. Depois de ler este trecho fiquei me perguntando: quando virei palmeirense?


Sabe-se lá quando, disse eu, para mim mesmo. Mas me esforcei. Quando pequeno meu pai um grande fanático pelo Palmeiras me dizia que o time era isso, aquilo outro, que era bom e coisa e tal. Em uma casa geminada com a minha morava meu avô. O corintiano mais doente que eu já conheci. Era capaz de se trancar nos fundo do quintal da casa, em sua cadeira de balanço, fumando o seu tradicional cachimbo quando o timão perdia. Uma coisa de doido, um filho porco, e pai gavião. E um vivia zombando no outro. Eu confesso que ficava meio perdido. Meu outro avô – pai de minha mãe - tinha derrame. Andava vagarosamente, balbuciava algumas palavras, mas todos se comunicavam com ele perfeitamente. E todos também sabiam que ele era fanático pelo São Paulo. Era uma perdição. Uma mistureba. Meu avô tricolor esmurrava o sofá quando seu time marcava gol e tentava esboçar um grito que mais parecia um Gãoooo. Tadinho. Era a forma dele torcer. Mas via que sua face ficava vermelha de tanta emoção pelo time.


Mas a proximidade maior era com meu pai. Que me comprava futebol de botão do Palmeiras, meião, camisa e tudo o mais. Vestia e dizia que torcia. E ele dizia para o avô “curintia”. – Aí ó, o muleque é palmeirense. Meu avô vinha com a camisa do Corinthians outro dia, e eu, para não chatear meu querido pai, falava, com meus oito anos: “não quero, eu torço para o time do meu pai”. Que coisa, né. Nem sabia o que era futebol direito. Bom, em 92 só dava tricolor na cabeça. E na escola os meninos eram todos menudos. São-paulinos do pá-oko, que ficavam falando “é campeão do mundo”. “o seu time é uma bosta, não ganha nada”. Tinham razão o Palestra não levantava uma taça há 17 anos. E o Sampa era campeão mundial. Venceu o famigerado Barcelona na final. Para piorar minha cabeça, meu suposto time –que era só para alegrar meu pai – perdeu a final do mesmo ano para o time tricolor. No mesmo dia da triste final, meu maior exemplo de “corintianice”, que tocava o Hino do Time de Parque São Jorge no carro dele, bem alto, em frente ao portão da minha casa, todas as santas manhãs que o alvi-negro ganhava, faleceu subitamente. Fiquei tão triste, ainda corri para abraçar ele e perguntei ao médico, inocentemente: “doutor, não tem como fazer o coração dele voltar a bater de novo?” Passei a mão em seus olhos (que ainda estavam abertos) e fechei para sempre, na terra, a visão daquele grande gavião.No mesmo dia, me veio uma revolta com o futebol, ou melhor, com a porcaria do Palmeiras, que além de não ganhar nada, perdia para o time dos meninos que ficam zombando na escolinha. Falei, em honra ao meu avô, vou torcer para o Corinthians.


O outro véio são-paulino, firme e forte em seu derrame me dizia para comemorar com ele as vitórias do tricolor, já que o Corinthians também não ganhava nada. Disse para mim, mais uma vez, ta aí...acho que esse sim é o meu time. Por dentro comecei a me sentir são-paulino. Estava realmente fora de mim, aos dez anos de idade. Antes disso, alguns meses, para piorar, lembrei que meu pai me levou a um jogo do Palmeiras em Riberião Preto, contra o Botafogo. E adivinhem? O Palestra perdeu. Que lástima. Sei lá. Não quero mais saber deste futebol. Mas, convenhamos, falar no colégio que não torce para nunhum time de futebol é o mesmo que dizer que gostava de meninos e que brincava de boneca “Barbie”. Continuei afirmar, no maior ato de minha teimosia, que era palmeirense, mas gostava do SP, confesso. Que vergonha. “Ou é uma coisa, ou é outra...porra Marcelo.” Eu ouvia. É melhor continuar a ser teimoso e acreditar que meu pai está certo. É muito fácil ser são-paulino hoje em dia, não precisa assistir jogo, nem saber a escalação, nem acompanhar o torneio. Basta falar Zetti, Raí e Telê. Pronto! Por isso, que muitas meninas daquela época eram são-paulinas. Jogadores bonitos, time com atletas jovens, que mais estavam para modelo do que para carcereiros do “porradeiro” futebol.


Ah, convenhamos. Assim não tem graça. Vou sofrer pelo futebol, viver o jogo, estudar a tabela, o torneio, o time, aprender o hino. Vou ser é Palmeiras. Os menudos que se fodam. E este Corinthians não me parece muito legal. O cara de verdade que torcia para este time, já tinha ido para mim. Plantei a sementinha Palmeiras, para ver se crescia. Chegamos a mais uma final. O Paulista de 93, com o então técnico Vanderlei Luxemburgo. Tinha Edmundo, Edílson, Evair, Sérgio no gol, César Sampaio, Mazinho, Zinho. Uma seleção.


A semente começou a crescer. Final contra o Corinthians. O maior rival, apesar do máster campeão SP figurar entre os banachões do mundo. De que adianta não tem vibração. Um time sem expressão. Sem garra. Chato de ver. De assistir. Primeiro jogo da final, meu coração palpitava forte, um baque a mais eu não agüentaria e me revoltaria de vez com o futebol que tanto insistia em provocar minha confusão. Tava gostando desse verde, acompanhei pela primeira vez na minha vida um campeonato inteiro, ouvia os jogos nos radinho como os “gente grande” fazem, comprei a tabela, somava os pontos, os artilheiros. Via os esquemas táticos sendo explicados nas revistas e nos jornais. Eu vivi aquele Campeonato Paulista de 93.


Me dei essa chance de provar se realmente valia a pena. De repente...aquele jogo rolando, o meu time atacava, o Ronaldo – goleiro adversário – catava. Chutávamos e nada. O time deles começou a crescer. Dava medo. Calafrios. Despenquei. Caiu meu mundo. Um cruzamento na área...de repente aparece, em uma espécie de voadora com escorregão, Viola, bate o pé na bola e ela morre no fundo do gol. Para piorar, o cara se ajoelha e imita um porco. Nosso símbolo. Não podia acreditar em tanta humilhação. Fiquei mudo. Quieto. Sério. Deu um aperto, com vontade de chorar na garganta. Os fogos pretos comiam o céu da minha cidade. Os gritos invadiam a rua. E eu...calado. Meu pais, ao contrário: “Isso não é nada, eles vão levar no segundo jogo. Vai ser mais gostoso”. Custava a acreditar nele. Queria que tivesse razão, mas não acreditava.


Aquela imitação de porco rendeu. Saiu em todo os programas da tv. Em todos os jornais. E despertou a fúria verde. A emoção e união que eu nunca tinha visto. Meus colegas de escola que às vezes escondiam ser palmeirense, por vergonha, falta de títulos, apareceram vorazes após esta derrota, defendendo com unhas e dentes o Palestra. Entrei na dança. Vamos humilhar os Corinthians. Nunca vi tanta discussão nos corredores do colégio. Passamos a ir com vestimentas. Todos se vestiam de Palmeiras ou Corinthians. A ponto de sair brigas no intervalo. E a diretoria proibir a entrada de camisas de clubes. Estava insandecido o ambiente da final. O Viola provocou o que há de mais profundo no torcedor, a gana de vencer. A força da massa que empurra a equipe. O cara não podia imaginar que naquele momento despertou para o mundo o sentimento de “vamos derrotar o Corinthians, sempre”.


Esse passou a ser o meu lema. Torcer, para sempre, contra o Corinthians. Mas porque?? Porque descobri, que sou Palmeiras. Nossa. Que alegria na tristeza. Até os palmeirenses mais mudos, paraplégicos, sacis, passaram a cantar, gritar, pular, andar em bando nas ruas de todo o lugar. Só se via Palmeiras e Corinthians em vestimentas ornamentando os shoppings, bares, restaurantes, ruas. Tudo por causa do Viola. Eram 17 anos na fila. Eu só tinha 11, mas estava insandecido para gritar. Chega o dia da finalíssima. Precisávamos ganhar para levar a prorrogação. A cidade, o Estado de São Paulo ficou mudo, vazio na hora do jogo. Parecia que o mundo estava voltado para aquele estádio. Que vibrava, tremia em verde e preto. Diante da TV vi meu sentimento se confirmar. Um humilhante e acachapante 3 a 0 no Viola e seus compaheiros para acabar com o fôlego de qualquer crente corintiano. Nunca vi tantos fogos no céu. Nem em reveillon. Nunca pude acreditar que existiam tantos palmeireinses na vida. Buzinas rondavam o meu ouvido, vinda de todos os cantos. E mais um golzinho na prorrogação. Acabou 4 a 0, numa final, diante do Corinthians.


Saí imitando porco, coloquei uma Viola num saco e chutei para bem longe. Gritava, gritava, gritava sem parar. Meu pai acho que nunca pulou tanto na vida. Parecia que tinha ganhado na Mega-Sena, me dava uns abraços que paraceia me esbofetar e dizia...”è campeão filhão, é campeão”...de uma forma que eu nunca vi. A garganta do meu velho estava seca há longos 17 anos. E sair da fila assim, detonando o maior rival, no maior clássico do futebol, após uma humilhação no primeiro jogo...não dava para agüentar. Liguei para minha casa, e disse para minha mãe – que não estava conosco assistindo o jogo – “Mãe, sou campeão...fomos campeões. É o Palmeiras mãe”. Tudo por causa do Viola. Obrigado Viola! Daí começou a minha história com o Palestra, que seguirá para sempre...