segunda-feira, 18 de junho de 2007

Que tempos são esses?

O amor com hora marcada


Marcar hora para transar pode contrariar a lógica do desejo, mas é mais comum do que parece. O sexo previamente agendado é o habitual para 41% dos chineses que participaram de um estudo que ouviu mais de 5.000 pessoas em 26 países. O Brasil está em segundo lugar na lista, com 12% dos entrevistados estipulando horário para a relação sexual.

(FSP - Cotidiano, 12 de junho)


N O COMEÇO aquilo parecia apenas o resultado de uma atitude prática, racional. Profissionais ambos, ele médico, ela advogada, e sempre às voltas, ambos, com uma agenda sobrecarregada, deram-se conta de que os encontros teriam de ocorrer em horários rigorosamente marcados. O que não deveria ser um obstáculo para a paixão que ambos sentiam, que parecia firme e duradoura. De fato, no começo foi assim. Encontravam-se em um hotel, no centro da cidade, em dia e hora previamente estabelecidos. O tempo que podiam passar juntos em geral não ultrapassava 45 minutos, aparentemente mais que suficientes. Mas então uma sutil mudança foi se operando nela. Mulher fogosa, continuava motivada pelo desejo; porém mostrava-se cada vez mais fixada no tempo, no controle do tempo. O relógio -um pequeno despertador que sistematicamente extraía da bolsa e colocava sobre a mesa de cabeceira- passou a mobilizar boa parte de sua atenção. Por cima do ombro nu do parceiro, olhava constantemente o mostrador, acompanhando a marcha implacável, porém fascinante, dos ponteiros. De início ele não se deu conta do que sucedia; mas então ela disse que precisavam organizar melhor a agenda do encontro, em função, claro, do pouco tempo de que dispunham. Mulher racional, extremamente prática e disciplinada, tinha uma proposta nesse sentido. Extraiu da bolsa uma folha de papel e pôs-se a ler o que se constituía num verdadeiro e esquemático regulamento do encontro. A primeira e fundamental condição era a pontualidade. Teriam de chegar ao hotel exatamente na hora prevista. O tempo para tirar a roupa seria de três minutos. Os cinco minutos seguintes seriam destinados a carícias prévias sem as quais (isto ela admitia, ainda que com relutância) o coito poderia se tornar muito brusco. Estavam previstos cinco beijos, cada um com a duração de 15 segundos; para palavras amorosas, seis minutos e assim por diante. O ato sexual propriamente dito duraria, isso de acordo com trabalhos especializados, 11 minutos. Depois, banho, vestir-se, sair -tudo cronometrado. Poderia funcionar bem. Mas em matéria de pontualidade ele não chegava aos pés dela. Inevitavelmente, e também por causa do consultório movimentado, atrasava-se, o que, inicialmente, ela aceitou: afinal, amavam-se. Mas quando os atrasos se tornaram constantes, ela começou a impor sanções: corte nas carícias prévias, diminuição do número de beijos. Acabaram rompendo. Ele agora tem uma nova namorada, menos fogosa, porém menos preocupada com o relógio. No último Dia dos Namorados, ela lhe deu de presente uma ampulheta, que ele conserva sobre a mesa do consultório. De vez em quando, fica a olhar a areia escorrendo, o que lhe provoca interessantes reflexões sobre a transitoriedade da existência.

(Moacyr Sclyar - Folha de São Paulo 18/09/07)


(Enquanto estou com falta de inspiração textual posto textos que julgo interessantes)

Um comentário:

Camis disse...

Tbm postei a carta aberta aos homens, do Xico Sá, no meu blog, rs.