segunda-feira, 4 de abril de 2011

RIO 40 GRAUS: dinheiro, futebol, carnaval e propina


Torcedores compram ingresso de bandidos ao lado da polícia e observam como funcionam as falcatruas dentro do Maracanã; chips de catracas chegam a ser arrancados por apenas R$ 10

Carnaval. Rio de Janeiro. A temperatura à tarde chega aos 41º. *Pedro, turista, quer conhecer o Maracanã. E nada melhor do que um clássico no estádio para completar a visita. Botafogo e Flamengo disputam a semifinal da Taça Guanabara. Quem vencer pega o Vasco na final do primeiro turno do estadual. Sem ingresso, Pedro decide comprar de cambista na hora do jogo. Sabe que é proibido, mas como quer aproveitar a praia, decide que é o modo mais cômodo de adquirir o ingresso. Sem fila. Na hora. Na mão. E sempre tem um para vender.

21h50, a partida está começando. Cinco amigos dele já se encontram dentro do estádio. Perderam o dia de sol na praia de Ipanema. Enfrentaram fila de duas horas e meia para comprar entrada para o setor branco. Um dos melhores. Visão privilegiada e preço mais alto.

Em poucos minutos já nota os primeiros vendedores, lado a lado com a polícia. Fácil como comprar água e cerveja. A oferta é boa: setor branco, três ingressos por R$ 30 cada, comenta o vendedor *Fernando. Na bilheteria custavam R$ 50. Pedro desconfia da boa oferta. E o vendedor branda: “Não tem erro. Só me paga lá dentro. Quando entrar.” Sendo assim, oferta aceita. Bilhete na mão dele, da namorada e do amigo.

Na porta percebe diversas catracas abertas. Dizem que o sistema está danificado. Na hora de passar pela roleta o cambista cumprimenta e abraça quase todos os fiscais, nome por nome. E ainda pergunta: “O *Léo tá trabalhando hoje?”. “Tá sim”, devolve o fiscal do Maraca.

Barrados no baile; agrado barato resolve

Já dentro do estádio. Dinheiro repassado ao atencioso cambista, que conta histórias de jogos importantes. Na entrada do setor branco o bilhete não passa. A mocinha desta catraca diz: “Esse não é aqui. É bilhete da amarela”. Fernando questiona: “Mas o Léo não está aí?” Neste momento os três turistas percebem que a entrada comprada era para o setor amarelo, onde fica a torcida Raça Rubro-Negra, e não para o branco, onde se encontram seus amigos. Foram Enganados.

“Calma, isso é tranquilo, vou resolver ‘rapidão’”, afirma Fernando. Léo, o homem das catracas chega. Eles conversam num canto em separado. O cambista volta e pede: “Eles querem R$ 10 para deixar mudar de local”. São cinco funcionários na entrada do setor branco. “Aí é mais R$ 50; não dá”, solta Pedro ao negar o suborno. O cambista conversa mais uma vez com o jovem Léo. Bem vestido, bem apessoado, o homem chega até os amigos e diz: “Dá R$ 10 só para mim que está tudo resolvido. Libero vocês.”

Sendo assim, já com 1 x 0 para o Flamengo, pagam a pequena “taxa de liberação”. Léo volta ao setor amarelo. Abre a roleta magnética com sua chave. Retira a placa que lê os cartões de entrada. Caminha com ela para o outro setor. E, sem nenhuma preocupação, retira o equipamento eletrônico do branco insere a de sua mão na roleta. Pronto. Tudo resolvido. Ele ainda deseja bom jogo aos turistas. Fernando diz que trabalha no estádio e consegue as entradas com os “amigos” de trabalho. E antes de se despedir fala aos amigos: “Anota meu telefone aí. Quando vier para o Rio e quiser ver jogos no Maracanã é só me procurar. Mesmo se estiver lotado eu consigo liberar vocês, sem problema, irmão.”

A história verídica dos amigos paulista é apenas um retrato do cotidiano do futebol brasileiro.

Neste 17 de fevereiro de 2010, 7.710 pessoas não pagaram ingresso no estádio.

Final de jogo. Flamengo 1 x 2 Botafogo. Público pagante: 32.729. Público presente: 40.439. Renda: 1,160 milhões.

*os nomes são fictícios para preservar as pessoas